terça-feira, 2 de dezembro de 2008

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

O Poder da Paz

É meu desejo que o poder espiritual da paz toque as mentes de todas as pessoas na terra, irradiando da profunda paz de nossas próprias mentes, vencendo as barreiras políticas e religiosas, vencendo as barreiras do ego e da rigidez conceitual. A nossa primeira tarefa como pacifistas é limpar nossas mentes dos conflitos mentais causados pela ignorância, raiva, apego, inveja e orgulho. Os mestres espirituais podem nos guiar na purificação destes venenos e, através desta purificação, podemos aprender a essência da arte de promover a paz.

A paz interior que procuramos deveria ser tão absolutamente pura, tão estável, de modo que seja impossível de ser transformada em raiva por aqueles que vivem e lucram com a guerra, ou transformada em apego e medo ao se confrontar com o desprezo, o ódio e a morte. É necessária uma paciência infinita para se conquistar qualquer aspecto da paz mundial e a fonte desta paciência é o espaço de paz interior de onde você pode reconhecer, com perfeita clareza, que a guerra e o sofrimento são os reflexos externos dos venenos internos da mente.

Se você realmente entende que a verdadeira diferença entre os que fazem a paz e os que fazem a guerra é que aqueles que buscam a paz têm disciplina e controle sobre a raiva, o apego e a inveja egoístas, enquanto que os que fazem a guerra, em sua ignorância, manifestam os resultados destes venenos no mundo – se você verdadeiramente entende isso, você nunca se permitirá ser vencido por fatores externos ou internos.

Os budistas tibetanos usam o pavão como um símbolo do bodhisattva, o Guerreiro Desperto que trabalha pela iluminação de todos os seres sencientes. Diz-se que o pavão se alimenta de plantas venenosas e as transmuta nas cores brilhantes de suas penas. O pavão não se envenena, assim como nós, que desejamos a paz, não nos envenenamos.

Ao encontrar os poderosos do mundo, sentados sobre suas máquinas de guerra, considere-os com estrita equanimidade. Argumente tão bem quanto você for capaz, mas esteja constantemente alerta para o estado de sua mente. Se começar a sentir raiva, recue. Se puder continuar sem raiva, talvez penetre no delírio terrível que causa a guerra e todos os seus sofrimentos infernais. Do claro espaço de sua paz interior, a compaixão deve se expandir para incluir todos os envolvidos na guerra – os soldados, apanhados pelo karma cruel de matar, que sacrificam seu renascimento precioso; os generais e políticos que querem trazer benefícios, mas causam destruição e morte; os civis, que são feridos, mortos e se tornam refugiados. A verdadeira compaixão é absolutamente neutra e abarca todos os tipos de sofrimento, sem se prender a certo ou errado, apego ou aversão.

O trabalho pela paz é, por si só, um caminho espiritual, um meio de desenvolver as qualidades perfeitas da mente e testar essas qualidades nos momentos de urgente necessidade, sofrimento extremo e morte. Não tenha medo de dedicar seu tempo, energia e riqueza.

Chagdud Tulku Rinpoche

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Uma troca justa

Eu farei uma troca justa:
o envelhecimento pelo que não envelhece,
as chamas pelo frescor:
a paz suprema,
o descanso incomparável
do jugo.

-- Thag I.32

Se, pela renúncia
a uma felicidade inferior,
é possível
alcançar uma felicidade superior,
que o homem sábio
abandone
a inferior
pela superior.

-- Dhp 290

terça-feira, 25 de novembro de 2008

A prisão do samsara

Quando os textos tradicionais falam de "prisão" do samsara, insistindo sobre o caráter frustrante e doloroso das experiências que aí se vivem, não é que os Mestres ignorem os momentos de felicidade que também aí se podem encontrar. Mesmo numa prisão, uma refeição melhor ou um passeio ao ar livre são instantes muito apreciados. No entanto, em comparação com a liberdade de olhar para o céu, cheirar o mar e contemplar o pôr do Sol à vontade, os pequenos prazeres de um prisioneiro são coisa pouca.

Como prisioneiros que, resignados com a sua condição, ficam contentes com um maço de cigarros, também nós lutamos por algumas migalhas de bem-estar Obtemo-las com muito esforço, quase sempre ~ custa do sofrimento alheio, e pagamo-las bem caro. Alguns prisioneiros de pena perpétua resignam-se ao encarceramento, outros preocupam-se em melhorar as condições de vida, outros ainda só pensam na liberdade e, para se evadirem, são capazes de escavar um túnel com uma colher de chá ou de nadar nos esgotos durante dias.

É porque perdemos a memória da liberdade natural da mente que não temos uma tal motivação para escaparmos do samsara, que temos a impressão que nascemos na prisão e pensamos que não há mais nada. Como pássaro nascido na gaiola não conhecemos o céu, ignoramos para que servem as asas, nunca sentimos o gosto do vento nem nos embriagamos de luz. Portanto a vastidão do espaço aterroriza-nos.

Estes ensinamentos, vindos de longe no tempo e no espaço, despertam-nos para a realidade da situação. Aquilo que pensávamos ser a natureza inerente à condição humana é finalmente uma condição diminuída, sub-humana, enclausurada. Os Mestres que veiculam estes ensinamentos são o exemplo vivo do que um verdadeiro ser humano é, do ser em que cada um de nós se pode tornar. Ser tocado por alguém que se tenha aproximado da liberdade natural da mente pode inspirar-nos, levar-nos a reconhecer a realidade da situação em que estamos e querer melhorá-la.

Quem esteja totalmente resignado talvez nunca chegue a ouvir estes ensinamentos e, se ouvir, ser-lhe-ão indiferentes. Mas quem procure melhorar a sua situação pode, graças a eles, obter renascimentos nos mundos superiores, em lugares e situações agradáveis onde estará rodeado por seres que o respeitam e lhe querem bem.

Por fim, se pertencemos à classe dos irredutíveis apaixonados pela liberdade, podemos utilizar estes ensinamentos para melhorar as nossas condições de vida e vogar rumo â libertação, à alforria definitiva do sofrimento, tornando-nos então nós próprios uma fonte de inspiração para os outros.

Tsering Paldrön. A Arte da Vida: Valores Humanos no Pensamento Buddhista.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Livre e Fácil

Uma canção-vajra espontânea

A felicidade não pode ser encontrada
Através do grande esforço e força de vontade,
Mas já está presente no relaxamento aberto e no deixar ir.

Não se esforce,
Nada há a fazer ou não fazer.
Qualquer coisa que surja momentaneamente no corpo-mente
Não tem qualquer importância real,
Tem pouca realidade.
Por que se identificar e se apegar a isso,
Passando um julgamento sobre ela e sobre nós mesmos?

Muito melhor é simplesmente
Deixar todo o jogo acontecer por si mesmo,
Levantando-se e caindo de volta como ondas —
Sem mudar ou manipular qualquer coisa —
E perceber como tudo desaparece e reaparece,
Magicamente, de novo e de novo,
Num tempo sem fim.

Apenas nossa busca pela felicidade
Nos impede de vê-la.
É como um vívido arco-íris que você segue sem nem mesmo pegar,
Ou como um cachorro correndo atrás do seu próprio rabo.
Apesar de a paz e a felicidade não existirem
Como uma coisa ou lugar reais,
Elas estão sempre disponíveis
E o acompanham a cada instante.

Não acredite na realidade
Das experiência boas e ruins;
Elas são como o tempo efêmero de hoje,
Como arco-íris no céu.

Querendo agarrar o inagarrável,
Você fica exausto em vão.
Assim que você abrir e relaxar este punho fechado do apego,
O espaço infinito está lá — aberto, convidativo e confortável.

Faça uso desta espaçosidade, desta liberdade e bem-estar natural.
Não procure mais qualquer coisa.
Não vá para a floresta confusa
Procurar pelo grande elefante desperto
Que já está descansando quietamente em casa,
Na frente de sua própria lareira.

Nada a fazer ou não fazer,
Nada a forçar,
Nada a querer
E nada a perder —
Emaho! Maravilhoso!
Tudo acontece por si mesmo.

Lama Gendun Rinpoche

domingo, 23 de novembro de 2008

Pensamentos e Meditação

Quando estou em retiro, pensamentos dos três tempos surgem naturalmente. Mas estes pensamentos não são armazenados em uma conta bancária mental. Eles surgem naturalmente e desaparecem naturalmente. Se isto não fosse verdade, onde poderia haver um banco grande o bastante para manter todos eles? Agora, o simples fato de que os pensamentos surgem não é um obstáculo se, durante o surgimento e desaparecimento destes pensamentos, você for capaz de focalizar a luminosidade natural dos pensamentos em sim. Porém, quando os pensamentos surgem, se sua mente julgadora agarrá-los, isso pode ser um problema. Mas o simples surgimento e passagem de pensamentos em si não deve ser visto como um problema.

O que você pode fazer quando se encontra julgando os pensamentos? Primeiro, abandone a idéia de que você poderá ter resultados imediato em sua prática e nem mesmo deseje essa realização instantânea. Ela acontece vagarosamente, vagarosamente, passo a passo. Você pode obter realização por esse meio gradual? Não há razão pela qual não seja possível, porque bem agora você tem todas as causas e condições necessárias para realizar a iluminação. Você tem os ensinamento e a prática dos nove yanas, todos os quais são designados a trazer a iluminação nesta mesma vida. Além disso, há muitos exemplos de pessoas que realizaram a liberação no passado. Olhando para a linhagem de lamas do passado, de geração a geração, nos lembramos dos grandes mentores espirituais que realizaram a iluminação. Então, por que você não poderia atingir o mesmo resultado? Veja se há quaisquer diferenças reais entre aqueles adeptos do passado e você mesmo.

Se você tem o desejo de colocar os ensinamentos em prática, não há razão pela qual não possa produzir o resultado. Por outro lado, se você não tem esse desejo, então é claro que não haverá resultado. Do mesmo modo, sem prática não poderá haver qualquer resultado também. Não é algo que alguém possa fazer por você, do mesmo modo que eles não podem saciar a sua fome comendo seu jantar por você. se você está muito ocupado para tomar seu remédio, então você não pode ser curado. Talvez você possa patrocinar alguém para praticar o Dharma, o que pode ter bênçãos e mérito, mas não há como esta outra pessoa possa transferir seus realização e amadurecimento espiritual a você.

Gyatrul Rinpoche

sábado, 22 de novembro de 2008

Prática correta

A iluminação é uma flor que desabrocha. De nada adianta tentar abrir as pétalas de uma flor para fazê-la desabrochar – isso apenas a destrói. É melhor regar suas raízes. O esforço correto, a paciência e a meditação regam as raízes da iluminação. Assim ela desabrochará como um lótus em meio ao samsara.

Lama Padma Samten

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

A extinção dos desejos

A busca de um objeto de desejo
causa sofrimento.
A conquista de um objeto de desejo
causa o temor de perdê-lo.
A perda de um objeto de desejo
causa extrema perturbação.
Em nenhum passo do caminho
se encontra alegria.
Se todos os desejos geram sofrimento dessa forma,
como é possível deles se livrar?
É possível livrar-se do desejo
aprendendo a encontrar,
na meditação profunda,
as alegrias do samadhi.

— extraído Shastra do Mahaprajnaparamita

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Atenção plena

O cerne da meditação budista é a prática da atenção plena. Quando praticamos a atenção plena, geramos anergia de Buda dentro de nós e ao nosso redor, e essa energia é capaz de salvar o mundo. Um Buda é alguém dotado de atenção plena o tempo inteiro. Nós somos budas em meio expediente apenas. É possível a cada um de nós gerar a energia da atenção plena em todos os momentos da vida cotidiana.

Thich Nhat Hanh [A Essência dos Ensinamentos de Buda, Rocco]

Esse instante

A verdade da vida não é uma meta a alcançar num determinado momento no futuro; é a realidade do passo dado neste preciso instante. Pensar na realidade como uma linha reta, uma progressão linear do princípio ao fim, de causa a efeito, da ideia à realização, é um erro. A realidade é um círculo infinito, e cada ponto da sua circunferência é ao mesmo tempo o centro, o ponto de partida, e o ponto de chegada.

Hogen Yamahata, On the Open Way

domingo, 16 de novembro de 2008

Todos os que se aperfeiçoam no samadhi Mahayana, e todos os
que ingressam no caminho do bodhisattva ,começam com o comum e através dele
alcançam o Nirvana.
— extraído do Sutra
Lankavatara

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

O padeiro e o monge

Havia um monge budista ocupando um templo, mas ele precisava viajar a uma cidade longínqua. Então, ele pediu ao vizinho para que cuidasse do templo na sua ausência. Esse vizinho era dono da padaria da localidade, e, como é natural, sendo o dono da padaria não sabia nada sobre as doutrinas budistas. Mas aceitou tomar conta do templo com muita boa vontade.
Logo depois da partida do dono do templo, um monge viajante chegou à aldeia. Naquela época existia entre os monges a tradição de debate verbal em relação aos seus entendimentos sobre o budismo. Quem ganhasse o debate ficava com o templo e quem perdesse tinha de ir embora. Chamava-se a isto uma batalha do Dharma. Hoje, este costume ainda existe. Com muito cerimonial mas ainda existe.
Bem, o sujeito ficou muito preocupado com a notícia da chegada do monge viajante, já que ele era apenas o dono da padaria. Mas o chefe da aldeia veio até ele e disse: “Você faz o seguinte: raspa a cabeça, coloca a roupa de monge e depois se senta contra a parede como fazem os monges. Você tem que se conscientizar de que está treinando o silêncio. Assim, não precisa falar. Se você não falar, nada será revelado.” “Ah, está combinado”, disse o dono da padaria. Assim ele fez e ficou esperando. O monge viajante chegou, começou a perguntar, mas o monge da padaria estava sentado, em silêncio. “Ah”, pensou o viajante, “ele está fazendo o treinamento do silêncio. Não pode quebrar o treinamento e isto tem que ser respeitado. Mas já que estou aqui com tempo, vou tentar me comunicar com ele através de gestos”. E fez um gesto querendo dizer: “como é que está o seu coração?” O da padaria respondeu com outro gesto: “o meu coração é grande como o oceano..” “Ah”, entendeu o viajante, ele respondeu “grande como o oceano, o universo inteiro”. Universo inteiro significa dez direções, os pontos cardeais, e mais o meio, e em cima e em baixo. E fez outro gesto querendo dizer: “e para viver neste mundo, nas dez direções, como é que eu posso viver?” “São importantes”, respondeu, gesticulando, o monge da padaria, “os cinco preceitos: não matar, não roubar, etc.” O monge viajante fez outro gesto: “Então, o que são os Três Tesouros, Buda, Dharma, e Sangha?” O dono da padaria respondeu, com gestos: “Está muito perto de você, não pode procurar longe. Está aqui”. Com esta resposta o monge viajante se assustou: “Ah, está certo, ele é um grande monge”, pensou. E foi embora. Logo depois, o chefe da aldeia chegou e perguntou ao dono da padaria: “O que foi que aconteceu que aquele monge foi embora?” “O monge viajante era muito doido, não é?” perguntou o dono da padaria. “Em primeiro lugar perguntou, com gestos, pelo pão da minha padaria. Por que é que era tão pequeno. Eu respondi, com gestos, querendo dizer: Não, é muito grande. Ele então me perguntou: Quanto custa o pão? Gesticulei querendo dizer. Cinquenta centavos. Aí ele perguntou: Abaixa para trinta centavos? Eu respondi com gestos: De jeito nenhum. E ele foi embora”.
Esta história é muito engraçada, mas é exatamente isto o que está acontecendo no nosso mundo. Estamos vivendo dentro da nossa consciência. O monge viajante está vivendo dentro das teorias budistas, do treinamento etc., mas o dono da padaria não, ele está é preocupado com a qualidade do pão, quanto é que ele vai ganhar. É assim que cada um vive o seu mundo. Seu mundo significa aquilo que cada um está depositando dentro de sua consciência. Cada um tem os seus Karmas, particulares e coletivos. Dentro de uma só pessoa estão mais de trinta bilhões de anos passados e as experiências estão depositadas como sementes. Estas sementes dependem de condições, e quando existem estas condições, elas brotam e a árvore aparece.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

O Buddha Interior

Observe e procure sua mente não-nascida;
Não procure por qualquer satisfação no samsara.

Atingi todo o meu conhecimento observando a mente interior;
Assim, todos os meus pensamentos tornaram-se os ensinamentos do Dharma
E os fenômenos aparentes são os livros necessários.

Procurar o rosto inato da própria mente, que é suprema —
Como a meditação comum poderia fazer isso?

Aquele que realiza a natureza de sua própria mente
Sabe que a ela é a consciência da sabedoria
E não comete mais o engano de procurar o Buddha em outras fontes.

De fato, o Buddha não pode ser encontrado pela busca;
Então, contemple a sua própria mente.

Este é o mais elevado ensinamento que se pode praticar;
Esta própria mente é o Tathagatagarbha,
A natureza de Buddha, o ventre dos Buddhas.

Milarepa, 1040-1123

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

A Interexistência

Se você é poeta, vê claramente uma nuvem em um papel em branco. Se não existir a nuvem, a chuva não cai. Se não cair a chuva, a árvore não cresce. Se não cresce a árvore, não se faz papel. Então, podemos dizer que o papel e a nuvem se encontram em interexistência. Se observarmos mais profundamente o papel, veremos nele a luz do sol. Sem a luz do sol, o mato não cresce. Ou melhor, sem ela, nada no mundo cresce. Por isso, reconhecemos que a luz do sol também existe no papel em branco. O papel e a luz do sol encontram-se em interexistência. Se continuarmos observando profundamente, veremos o lenhador que cortou a árvore posteriormente levada à marcenaria.
Veremos também o trigo no papel. Sabemos que o lenhador não pode existir sem o pão de cada dia. Por isso, o trigo, a matéria-prima do pão, também existe no papel. Pensando desta maneira, reconhecemos que um papel branco não pode existir quando faltar qualquer um destes elementos. Não posso citar nada que não esteja aqui, agora. O tempo, o espaço, a chuva, os minerais contidos no solo, a luz do sol, as nuvens, os rios, o calor... tudo está aqui, agora. Não podemos existir sozinhos.
Este papel branco é totalmente constituído de "elementos que não são papel". Se devolvermos todos os "elementos que não sejam papel" à sua origem, o papel deixará de existir. O papel não existirá se forem tirados os "elementos que não sejam papel". O papel, em sua espessura fina, contém tudo do universo. Nele, não há nada que não exista em interdependência. A inexistência de elementos independentes significa que tudo é satisfeito por tudo.Temos que existir em interexistência com os demais, assim como um papel que existe porque todo os demais elementos existem.
(Thich Nhat Hanh, citado em Caminho Zen)

A Interdependência

S.S. o Dalai Lama

Considero particularmente útil o conceito de origem dependente formulado pela escola de filosofia buddhista Madhyamika. De acordo com esse conceito, podemos compreender como as coisas ocorrem de três maneiras diferentes. Num primeiro nível, recorre-se ao princípio de causa e efeito, pelo qual todas as coisas e acontecimentos surgem dependendo de uma complexa rede de causas e condições relacionadas entre si. Sendo assim, nada nem nenhum acontecimento pode vir a existir ou permanecer existindo por si só. Por exemplo, se eu pegar um punhado de barro e moldá-lo, posso fazer um vaso vir a existir. O vaso existe como resultado de meus atos. Ao mesmo tempo, é também o resultado de uma miríade de outras causas e condições. Estas abrangem a combinação de barro e água que forma a matéria-prima do vaso. Em acréscimo, há o agrupamento das moléculas, dos átomos e outras diminutas partículas que formam esses componentes. Em seguida, é preciso levar em conta as circunstâncias que levavam à minha decisão de fazer um vaso. E existem ainda as condições que cooperam ou interferem nas minhas ações à medida que dou forma ao barro. Todos esses diferentes fatores deixam claro que meu vaso não pode vir a existir independentemente de suas causas e condições. Ou seja, ele tem uma origem dependente, sua criação está subordinada a essas causas e condições.Num segundo nível, a interdependência pode ser compreendida em termos da mútua dependência que existe entre as partes e o todo. Sem as partes, não pode haver o todo e, sem o todo, o conceito de parte não tem sentido. A idéia de todo implica partes, mas cada uma dessas partes precisa ser considerada como um todo composto de suas próprias partes.No terceiro nível, pode-se dizer que todos os fenômenos têm uma origem dependente porque, quando os analisamos, verificamos que, em essência, eles não possuem uma identidade. Isto pode ser compreendido melhor se pensarmos na maneira como nos referimos a certos fenômenos. Por exemplo, as palavras "ação" e "agente": uma pressupõe a existência da outra. Assim como "pai" e "filho". A pessoa só pode ser um pai se tiver filhos. E um filho ou uma filha são assim chamados apenas como referência ao fato de terem pais. A mesma relação de mútua dependência é vista na linguagem que utilizamos para definir ramos de atividade ou profissões. Determinados indivíduos são chamados de fazendeiros em função de seu trabalho no campo. Os médicos são assim chamados por causa de seu trabalho na área de medicina.De maneira mais sutil, as coisas e acontecimentos podem ser compreendidos em termos de origem dependente quando, por exemplo perguntamos: o que é exatamente um vaso de barro? Quando procuramos algo que possa ser definido como sua identidade final, verificamos que a própria existência do vaso de barro — e, implicitamente, a de todos os outros fenômenos — é, até certo ponto, provisória e determinada pelas convenções. Quando indagamos se sua identidade é determinada por sua forma, sua função, suas partes específicas (ou seja, ser composto de barro, água, etc.), constatamos que a palavra "vaso" não passa de uma designação verbal. Não há uma única característica que se possa dizer que o identifica. Muito menos a totalidade de suas características. Podemos imaginar vasos de formas diferentes que não deixam de ser vasos. E porque só podemos realmente falar de sua existência em relação a uma rede complexa de causas e condições, se o encararmos segundo esta perspectiva, o vaso não tem de fato nenhuma propriedade que o defina. Em outras palavras, não existe em si ou por si, mas é antes de tudo originariamente dependente.No que se refere aos fenômenos mentais, verificamos que mais uma vez existe uma dependência. Neste caso, entre aquele que percebe e aquilo que é percebido. Tomemos como exemplo a percepção de uma flor. Em primeiro lugar, para que se possa perceber uma flor é preciso haver um órgão sensível. Segundo, precisa haver uma condição — neste caso, a própria flor. Em terceiro, para que ocorra a percepção é preciso haver algo que direcione a atenção daquele que percebe para o objeto. Então, através da interação causal dessas condições, ocorre um acontecimento cognitivo a que chamamos de percepção de uma flor. Agora vamos examinar em que consiste exatamente esse acontecimento. Seria apenas o funcionamento da faculdade sensorial? Seria apenas a interação entre essa faculdade sensorial e a própria flor? Ou seria outra coisa? Vemos que, no final, não conseguimos compreender o conceito de percepção a não ser dentro do contexto de uma intricada e imprecisa série de causas e condições.Uma outra maneira de compreender o conceito de origem dependente é considerar o fenômeno do tempo. Em geral, presumimos que há uma entidade com existência independente a que chamamos de tempo. Falamos de tempo passado, presente e futuro. Entretanto, quando examinamos melhor o assunto, vemos que esse conceito também é uma convenção. Verificamos que a expressão "momento presente" é apenas um rótulo que indica a interface entre os tempos "passado" e "futuro". Não podemos na realidade localizar com precisão o presente. O passado está apenas uma fração de segundo antes do suposto momento presente; apenas uma fração de segundo depois está o futuro. No entanto, se dissermos que o momento presente é "agora", assim que acabarmos de pronunciar esta palavra ele já estará no passado. Se sustentássemos que, mesmo assim, deve haver um único momento indivisível pelo passado ou pelo futuro, não haveria nenhuma razão pra separarmos presente, passado e futuro. Se houvesse um único momento indivisível, só teríamos o presente. Sem o conceito de presente, porém, fica difícil falar de passado e futuro já que ambos sem dúvida dependem do presente. Além do mais, se nossa análise nos fizesse concluir que então o presente não existe, teríamos de negar não só uma convenção mundial, como também a nossa própria existência. De fato, quando começamos a analisar nossa experiência com relação ao tempo, vemos que o passado desaparece e o futuro ainda está para chegar. Experimentamos apenas o presente. E o presente só toma forma como dependente do passado e do futuro.

Dalai Lama. Uma Ética para o Novo Milênio.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Buda através da meditação apenas

Quando jovem, Baso praticava incessantemente a Meditação. Certa ocasião, seu Mestre Nangaku aproximou-se dele e perguntou-lhe:
- Por que praticas tanta Meditação?
- Para me tornar um Buddha.
O Mestre tomou de uma telha e começou a esfregá-la com um pedra. Intrigado, Baso perguntou:
- O que fazeis com essa telha?
- Pretendo transformá-la num espelho.
- Mas por mais que a esfregueis, ela jamais se transformará num espelho! será sempre uma pedra.
- O mesmo posso dizer de ti. Por mais que pratiques Meditação, não te tornarás Buda.
- Então o que fazer?
- É como fazer um boi andar.
- Não entendo.
- Quando queres fazer um carro de bois andar, bates no boi ou no carro?
Baso não soube o que responder e então o Mestre continuou:
- Buscar o Estado de Buda fazendo apenas Meditação é matar o Buda. Dessa maneira, não acharás o caminho certo.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Posturas de meditação

Há diversas posturas que podem ser usadas, e você deverá tentar cada uma delas para descobrir qual é a que mais lhe convêm. Isto não quer dizer que não deve perseverar com uma das posturas mais estáveis simplesmente porque parece no primeiro teste, desconfortável. Paciência e prática são necessárias para seguir uma boa postura. As posturas recomendadas estão descritas aqui por ordem crescente, segundo a sua estabilidade, equilíbrio e utilidade para uma boa prática. É perfeitamente aceitável começar com a posição nº 1; muito poucas pessoas podem sentar-se na posição nº 5 para começar. Em todas as posturas, o ideal é sentar de modo que o corpo esteja perfeitamente erecto e uma linha vertical possa ser traçada partindo do centro da testa, pelo nariz, queixo, garganta e umbigo. Consegue-se isto empurrando a cintura para a frente e o abdómen para fora. Nesta posição, o peso do corpo está concentrado na barriga ou no baixo ventre . Esta área é o foco da respiração e concentração da meditação. Os olhos devem ficar nem totalmente abertos, nem totalmente fechados, mas abaixados num ângulo de 45 graus; não focalizados, fitando o chão a 2 metros em frente, ou olhando na linha do horizonte.

Posição 1

Esta posição é para as pessoas que estão pouco flexíveis devido à falta de exercício ou devido à idade. Sente-se num banco ou cadeira que tenha uma altura que permita assentar os pés no firmemente no chão. As costas devem ficar erectas, os ombros para baixo, e a cabeça mantida na posição vertical, como se uma fina linha de algodão partisse da sua cabeça para o tecto esticando as vértebras da espinha num alinhamento natural. Descanse as mãos no colo, a mão direita sob a esquerda, as palmas voltadas para cima. Os polegares tocando-se nas pontas para formar uma linha paralela com os dedos.Para as próximas posições você precisa de um cobertor dobrado de cerca de 1 metros quadrado e uma almofada firme. Coloque a almofada em cima do cobertor; as pontas são assumidas com a almofada debaixo das nádegas.
Posição 2

Esta é a posição mais fácil para principiantes. Estique a esteira de modo que possa sentar-se sobre os joelhos, pernas, dorso dos pés e nádegas. Os joelhos e as nádegas formam um triângulo. Cabeça, ombros e mãos ficam postos da mesma maneira que na posição nº 1.






Posição 3

Esta é a posição birmanesa, uma postura popular entre os seguidores ocidentais do Zen. as pernas ficam cruzadas, porém ambos os pés ficam nivelados sobre o cobertor. As nádegas ficam sobre um terço ou metade da almofada. Ambos os joelhos devem tocar o cobertor. Se não estiverem tocando, você pode ajudá-los colocando uma pequena almofada sob o joelho ( ou joelhos ) para se apoiar. É importante estar sentado sobre uma base firme, formada pelo triangulo dos joelhos e nádegas. Cabeça, ombros e mãos ficam iguais, como na posição nº 1; do contrário, será muito difícil manter as costas direitas e relaxar a respiração dentro da postura



Posição 4
Esta é a posição de meio lótus. O pé esquerdo está sob a coxa direita, e o pé direito sobre a coxa esquerda, ou vice-versa. Ambas as variações são igualmente boas. Esta posição é bastante difícil para os principiantes, mas sustenta a parte inferior das costas melhor que nas posições nº 2 e 3. Se você adoptar esta postura, será importante alternar a posição das pernas cada vez; de contrário, terá a sensação de estar pendendo para um lado.




Posição 5

Esta é a posição do lótus completo, na qual o pé direito descansa sobre a coxa esquerda e o pé esquerdo sobre a coxa direita. O lótus é a melhor posição para sentar, já que forma um triangulo perfeito entre os joelhos e as nádegas, apoiando firmemente a parte inferior das costas e produzindo grande estabilidade. Infelizmente, o lótus é também a mais difícil de realizar e geralmente está fora do alcance do principiante e mesmo de muitos estudantes maduros. Não se preocupe se não conseguir fazer um lótus - a maioria das pessoas está nessa situação.




Posição das mãos:

Em algumas escolas do budismo, medita-se colocando-se as mãos nos joelhos, como se segurando-os.
Mas o mais comum é a posição de mudrá cósmico: Mão direita palma para cima, lamina de encontro à parte inferior da barriga. Mão esquerda em cima da direita, articulações sobrepostas. Polegares com as pontas tocando-se levemente em forma ovaladas.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Pensamentos

"Qualquer coisa que você pense é ilusão."
Dainin Katagiri

domingo, 2 de novembro de 2008

Meditação sobre a Respiração

A principal atividade mental usada nas meditações sobre a respiração é a concentração, a habilidade de manter a atenção focalizada sobre o que quer que se esteja fazendo, sem se esquecer ou vagar para outros objetos. Aqui, o objeto de concentração é a própria respiração. Em sua forma mais efetiva, a concentração é acompanhada pela atenção discriminativa, uma outra função da mente que, como um guarda, está alerta contra distrações e pensamentos perturbadores.
A concentração é essencial para uma meditação ter sucesso; e em nossas vidas cotidianas, ela nos mantém centrados, alertas e conscientes, ajudando-nos a saber o que está acontecendo com nossa mente — assim que algo acontecer — e, deste modo, a lidar habilmente com os problemas — assim que surgirem.
Há vários métodos para cultivar a atenção, ensinados em diferentes tradições; duas variações são ensinadas aqui. Escolha uma que você achar mais confortável e a pratique consistentemente — é melhor não mudar de uma para outra.
Você pode usar uma meditação sobre a respiração — também chamada meditação da atenção — tanto como sua prática principal quanto como uma preliminar para outras meditações. É uma técnica inestimável: a prática regular ajuda a obter, gradualmente, o controle sobre a mente. Você se sentirá mais relaxado e mais capaz de aproveitar a vida, de ter mais sensibilidade a você mesmo e às pessoas e coisas ao seu redor. Usando sua crescente atenção em outras meditações, você será capaz de manter sua concentração por períodos mais longos.
Portanto, a meditação sobre a respiração é importante tanto para os iniciantes quanto para os meditadores avançados: para aqueles que querem uma técnica simples para relaxar e acalmar a mente, e para aqueles meditadores sérios que devotam suas vidas ao desenvolvimento espiritual.

A prática

Sente-se com as costas eretas e relaxe seu corpo. Traga à mente a sua motivação, ou objetivo, para fazer esta meditação, e decida a duração da sessão em que você irá manter sua atenção sobre o objeto de concentração para alcançar seu objetivo.
Escolha um dos seguintes métodos de praticar a atenção sobre a respiração.
Focalize sua atenção sobre a sensação na ponta de suas narinas, enquanto o ar entra e sai em seu corpo. Mantenha a sua atenção sobre esta percepção sutil e observe a duração total de cada inalação e exalação. Se preferir, você pode contar, mentalmente, ciclos de cinco ou dez respirações, começando novamente no "um" se você perder a contagem ou se a sua mente vaguear.
Use o método descrito acima, mas focalize o movimento do abdômen em cada inalação e exalação.
Em qualquer método que você escolha, respire normal e gentilmente. Inevitavelmente, pensamentos aparecerão, mas mantenha uma atitude neutra diante deles, não sendo atraído nem repelido por eles. Em outras palavras, não reaja com desgosto, preocupação, excitação ou apego a qualquer pensamento, imagem ou sensação que surja. Simplesmente perceba sua existência e volte sua atenção ao objeto de meditação. Mesmo se você tiver que fazer isto cinqüenta vezes por minuto, não se sinta frustrado! Seja paciente e persistente; eventualmente, seus pensamentos se acalmarão.
Imagine que sua mente é como um lago calmo e claro, ou como um céu vasto e vazio: ondas aparecem sobre a superfície do lago e nuvens passam pelo céu, mas elas logo desaparecem, sem alterar a calma natural. Os pensamentos vêm e vão; eles são impermanentes, momentâneos. Perceba-os e deixe-os ir, voltando sua atenção, de novo e de novo, à respiração.
Fique contente em permanecer no presente. Aceite qualquer disposição mental em que você esteja e o que quer que surja da mente. Esteja livre da expectativa, do apego e da frustração. Não deseje estar onde quer que seja, fazendo o que quer que seja, ou mesmo se sentido de outra forma. Fique contente, assim como você está.
Quando aumentar a sua habilidade se desenvolver e de evitar as distrações, leve sua atenção um passo adiante. Faça notas mentais sobre a natureza dos pensamentos que surgem, tais como, "pensando na minha amiga", "pensando no café da manhã", "ouvindo um pássaro", "sentido fome", "sentindo-me chateado". Ainda mais simples, você pode notar, "fantasia", "apego", "memória", "som", "dor". Assim que você notar o pensamento ou sentimento, deixe-o ir, relembrando sua natureza impermanente.
Uma outra técnica é usar suas distrações para ajudá-lo a obter o insight sobre a natureza da mente. Quando um pensamento surgir, ao invés de focalizar o próprio pensamento, focalize o pensador. Isto significa que uma parte da mente, a atenção discriminativa, dá uma olhada na outra parte, a distração. O objeto perturbador desaparecerá, mas mantenha sua atenção sobre o pensador por quanto tempo puder. Novamente, quando outro pensamento surgir, focalize o pensador e siga o mesmo procedimento. Uma vez que a distração tenha cessado, volte a observar a respiração.
Estes métodos para lidar com as distrações podem ser aplicados a qualquer situação. É inútil ignorar e suprimir os pensamentos perturbadores ou a energia negativa, pois eles ocorrerão persistentemente.
Durante a conclusão de sua sessão, dedique a energia positiva criada por sua meditação à realização do objetivo com o qual você começou esta prática.


(McDonald, Kathleen. How to Meditate: A Practical Guide.Editado por Robina Courtin. Ithaca: Snow Lion, 1998. Pág. 44-46.)

sábado, 1 de novembro de 2008

O que é a mente?

A mente, ou consciência, está no coração da teoria e prática buddhistas, e nos últimos 2.500 anos, meditadores vêm investigando-a e usando-a como um meio de transcender a existência insatisfatória e de atingir a paz perfeita. Diz-se que toda felicidade, comum e sublime, é atingida pela compreensão e transformação de nossa própria mente.
Um tipo de energia não-física, a função da mente é conhecer, experienciar. É a própria consciência. É clara por natureza e reflete tudo o que experiencia, assim como um lago calmo reflete as montanhas e florestas que estão ao seu redor.
A mente muda de momento a momento. É um continuum sem início, como um fluxo sempre em movimento: o momento-mental prévio dá origem a este momento-mental, que dá origem ao próximo momento-mental e assim por diante. É o nome geral dado à totalidade de nossas experiências conscientes e inconscientes: cada um de nós é o centro de um mundo de pensamentos, percepções, sentimentos, memórias, sonhos — tudo isto é a mente.
A mente não é uma coisa física que tem pensamentos e sentimentos; essas próprias experiências são a mente. Por ser sem matéria, ela é diferente do corpo, apesar de mente e corpo serem interconectados e interdependentes. Este relacionamento explica porque, por exemplo, as doenças e desconfortos físicos podem afetar a mente, e por que as atitudes mentais, por sua vez, podem dar origem tanto à cura quanto aos problemas físicos.
A mente pode ser comparada a um oceano, e os eventos mentais momentâneos — como a felicidade, a irritação, as fantasias e a tristeza — às ondas que sobem e descem sobre sua superfície. Assim como as ondas podem ser apaziguadas para revelar a calma das profundezas do oceano, assim também é possível acalmar a turbulência de nossa mente para revelar sua clareza natural.
A habilidade para fazer isto está dentro da própria mente, e a chave para a mente é a meditação.

(McDonald, Kathleen. How to Meditate: A Practical Guide.Editado por Robina Courtin. Ithaca: Snow Lion, 1998. Pág. 12-16.)

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Por que meditar?

Todos querem a felicidade, mas apenas alguns de nós parecem encontrá-la. Em nossa busca pela satisfação, vamos de um relacionamento para outro, de um trabalho para outro, de um país para outro. Estudamos arte e medicina, treinamos para ser jogadores de tênis e datilógrafos; temos filhos e carros de corrida, escrevemos livros e plantamos flores. Gastamos nosso dinheiro com elaborados aparelhos de som estéreo, computadores pessoais, móveis confortáveis e férias ao sol. Ou tentamos nos voltar para a natureza, comer alimento integral, praticar yoga e meditar. Nada mais do que tudo o que fazemos é uma tentativa de encontrar a felicidade real e de evitar o sofrimento.
Nada há de errado com qualquer uma dessas coisas, nada há de errado em ter relacionamentos e posses. O problema é que as vemos como se elas tivessem alguma habilidade inerente de nos satisfazer, como se fossem uma causa de felicidade. Mas elas não podem ser, simplesmente por que elas não duram. Tudo, por natureza, muda constantemente e eventualmente desaparece: nosso corpo, nossos amigos, todos os nossos pertences, o ambiente. Nossa dependência sobre coisas impermanentes e nosso apego à felicidade que é como um arco-íris trazem apenas causas de desapontamento e tristeza, não satisfação e contentamento.
Nós experienciamos felicidade com coisas externas a nós, mas ela não nos satisfaz verdadeiramente ou nos livra de nossos problemas. É uma felicidade de qualidade ruim, inconfiável e de vida curta. Isto não significa que devamos abandonar nossos amigos e posses para sermos felizes. Ao invés disso, o que precisamos abandonar são os nossos conceitos errôneos sobre eles e nossas expectativas irrealistas do que eles possam fazer por nós.
Não apenas os vemos como permanentes e capazes de nos satisfazer; na raiz de todos os nossos problemas, está a nossa visão fundamentalmente errada da realidade. Acreditamos instintivamente que as pessoas e coisas existem em e por si mesmas, uma "coisidade" inerente. Isto significa que vemos as coisas como se tivessem certas qualidades que residissem naturalmente nelas, como se fossem, por sua própria parte, boas ou ruins, atrativas ou não. Estas qualidades parecem estar lá fora, nos próprios objetos, bem independentes do nosso ponto de vista e de tudo mais.
Nós pensamos, por exemplo, que o chocolate é inerentemente delicioso e que o sucesso é inerentemente satisfatório. Mas certamente, se eles fossem assim, nunca falhariam em nos dar prazer ou nos satisfazer, e cada um iria experienciá-los da mesma maneira.
Nossa idéia errônea é profundamente enraizada e habitual, ela colore todos os nossos relacionamentos e procedimentos com o mundo. Provavelmente, raramente questionamos se a maneira pela qual nós vemos as coisas é ou não a maneira pela qual realmente existem, mas uma fez que façamos isso, será óbvio que a nossa imagem da realidade é exagerada e parcial, que as qualidades boas ou más que nós vemos nas coisas são realmente criadas e projetas pela nossa própria mente.
De acordo com buddhismo, há uma felicidade duradoura e estável, e cada um tem o potencial para experienciá-la. As causas da felicidade estão dentro da nossa própria mente, e o método para atingi-la pode ser praticado por qualquer um, em qualquer lugar, em qualquer estilo de vida — vivendo na cidade, trabalhando oito horas, constituindo família, divertindo-se nos fins de semana.
Praticando este método — a meditação — podemos aprender a ser felizes a qualquer hora, em qualquer situação, mesmo nas difíceis e dolorosas. Conseqüentemente, podemos nos livrar de nossos problemas, como a insatisfação, o ódio, a ansiedade, e finalmente, ao realizar o verdadeiro modo das coisas existirem, vamos eliminar completamente a própria fonte de todos os estados perturbados da mente e, então, eles nunca mais surgirão novamente.

Sangye Khadro, How to Meditate (Wisdom Publications)

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Alimentando pombos

Para tomar a fortaleza não-criada da natureza da mente, você precisa ir à fonte e reconhecer a exata origem de seus pensamentos. Do contrário, um pensamento fará surgir um segundo, então um terceiro e por aí vai. Rapidamente, você será assaltado pelas memórias do passado e pela ansiedade quanto ao futuro, e o puro estado desperto do momento presente será completamente obscurecido.Há uma história sobre um praticante que estava alimentando pombos com o arroz que tinha oferecido em seu altar, quando subitamente se lembrou dos numerosos inimigos que tinha antes de se devotar ao Dharma. Um pensamento surgiu para ele: "Há tantos pombos em minha porta agora. Se eu tivesse isso tudo de soldados naquela época, poderia facilmente ter eliminado meus inimigos".Essa idéia o obcecou até que ele não pôde mais controlar sua hostilidade e deixou seu retiro. Reuniu um bando de mercenários e foi guerrear com seus antigos inimigos. As ações negativas que ele cometeu depois começaram todas com um simples e iludido pensamento.Se você reconhecer a vacuidade de seus pensamentos, ao invés de solidificá-los, o surgimento e desaparecimento de cada um irá clarear e fortalecer sua realização da vacuidade.

O macaco e o peixe

O macaco vê o peixe na água e sofre.
Ele pensa que o único mundo é o seu.
O único. O melhor.
Ele sofre porque é Deus e sente compaixão.
Ele vê o peixe e diz:“Ele está se afogando”.
“Ele não pode respirar”.
Ele o tira da água e pensa "Eu o salvei."
Mas o peixe se retorce em sofrimento e morre.
É assim que eu te mostro a ilusão.
Trecho extraído do filme "O Buda".

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Comece do começo

"Se você quer transformar o mundo, experimente primeiro promover o seu aperfeiçoamento pessoal e realizar inovações no seu próprio interior. Estas atitudes se refletirão em mudanças positivas no seu ambiente familiar. Deste ponto em diante, as mudanças se expandirão em proporções cada vez maiores." (Dalai Lama, O Livro de Dias, Sextante)

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Sentando e meditando

Em seu último ensinamento, Milarepa disse a Gampopa, "Você recebeu a transmissão inteira, dei todos os ensinamentos a você, como se eu tivesse esparramado água de um vaso para outro. Só há uma instrução essencial que não dei a você. Ela é muito secreta."

Milarepa acompanhou Gampopa até um rio, onde iriam se separar. Gampopa fez prostrações para partir e começou a atravessar, mas Milarepa chamou-o de volta, dizendo, "Você é realmente um bom discípulo. De qualquer modo, darei este último ensinamento."

Muito contente, Gampopa prostrou-se nove vezes e então esperou pela instrução. Milarepa virou de costas e levantou seu manto', mostrando suas nádegas a Gampopa e perguntando, "Você vê?"

Gampopa respondeu, "An... sim."

"Você realmente vê?"

Gampopa não estava certo do que deveria ver. Milarepa tinha calos em suas nádegas; pareciam como se fossem metade de carne e metade de pedra.

"Veja, é assim que alcancei a iluminação: sentando e meditando. Se você quiser alcança-la nesta vida, faça o mesmo esforço. Esse é o meu ensinamento final. Nada tenho a adicionar."

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Esquecer de si mesmo

Compreender o Caminho Budista é compreender a si mesmo. Compreender a si mesmo é esquecer de si mesmo. Esquecer a si mesmo é estar identificado a todas as coisas. Chegar a este lugar é jogar fora corpo e mente de si e outros. Neste estágio, até mesmo a compreensão estará abaixo de si, mas continuamente estará praticando, inconscientemente.

Texto estraído do Shobogenzo de Dôgen Zenji

domingo, 26 de outubro de 2008

Os Oito Versos que Transformam a Mente (Lojong Tsigyema)

1. Com a determinação de alcançar
O bem supremo em benefício de todos os seres sencientes,
Mais preciosos do que uma jóia mágica que realiza desejos,
Vou aprender a prezá-los e estimá-los no mais alto grau.

2. Sempre que estiver na companhia de outras pessoas, vou aprender
A pensar em minha pessoa como a mais insignificante dentre elas,
E, com todo respeito, considerá-las supremas,
Do fundo do meu coração.

3. Em todos os meus atos, vou aprender a examinar a minha mente
E, sempre que surgir uma emoção negativa,
Pondo em risco a mim mesmo e aos outros,
Vou, com firmeza, enfrentá-la e evitá-la.

4. Vou prezar os seres que têm natureza perversa
E aqueles sobre os quais pesam fortes negatividades e sofrimentos,
Como se eu tivesse encontrado um tesouro precioso,
Muito difícil de achar.

5. Quando os outros, por inveja, maltratarem a minha pessoa,
Ou a insultarem e caluniarem,
Vou aprender a aceitar a derrota,
E a eles oferecer a vitória.

6. Quando alguém a quem ajudei com grande esperança
Magoar ou ferir a minha pessoa, mesmo sem motivo,
Vou aprender a ver essa outra pessoa
Como um excelente guia espiritual.

7. Em suma, vou aprender a oferecer a todos, sem exceção,
Toda a ajuda e felicidade, por meios diretos e indiretos,
E a tomar sobre mim, em sigilo,
Todos os males e sofrimentos daqueles que foram minhas mães.

8. Vou aprender a manter estas práticas
Isentas das máculas das oito preocupações mundanas,
E, ao compreender todos os fenômenos como ilusórios,
Serei libertado da escravidão do apego.

As oito preocupações mundanas são:
1. Desejar elogios
2. Rejeitar críticas
3. Desejar o prazer
4. Rejeitar a dor
5. Desejar o ganho
6. Rejeitar a perda
7. Desejar a fama
8. Rejeitar ser ignorado

Texto composto por Geshe Langri Tangba. Extraído de "The Union of Bliss and Emptiness", de autoria de Sua Santidade o XIV Dalai Lama. Este texto foi introduzido no dia 27 de abril de 2006 por Sua Santidade o XIV Dalai Lama no Templo Zulai em Cotia/SP. Sua Santidade mesmo salientou que lê este texto todos os dias e recebeu esta transmissão do comentário de Kyabje Trijang Rinpoche. Lembrou ainda que deveríamos ler Lojong Tsigyema todos os dias e, assim incrementarmos nossa práticas do ideal do bodisatva.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Resumo da Doutrina Buddhista

As Quatro Nobres Verdades
1. Existe o Sofrimento. Sofrimento é: nascimento, velhice, doença, morte, estar na presença do que se detesta, estar longe do que se gosta, não obter o que se deseja, perder o que se deseja. “Sofrimento” significa a natureza insatisfatória de todas as experiências que vivemos.
2. Causas do Sofrimento. Os três venenos da mente são a causa de todo sofrimento: ignorância, desejo e aversão.
3. A Cessação do Sofrimento. Cessando os três venenos.
4. O Caminho para Cessação do Sofrimento. É o Nobre Caminho Óctuplo.

O Nobre Caminho Óctuplo
1. Compreensão Correta. Saber distinguir os nutrientes saudáveis dos não saudáveis, o pensamento errôneo do correto, a fala errônea da correta, etc. Compreender as Quatro Nobres verdades, o karma, a impermanência e o não-eu. É também uma profunda confiança no Caminho, e uma visão adequada da realidade.
2. Pensamento Correto. É o pensamento que está de acordo com a compreensão correta. Reflete a realidade das coisas, sem distorções subjetivas. É o pensamento que não provém e nem alimenta os três venenos da mente: ignorância, desejo, aversão. É cultivar uma mente de altruísmo, uma mente que busca o Caminho iluminado.
3. Fala Correta. Falar de forma calma e amorosa e ouvir com atenção e compaixão. Não mentir, caluniar, distorcer os fatos ou exagerar. Não ferir nenhum ser através de nossas palavras. Não falar inutilmente. Não semear a discórdia. Não falar mal dos outros. Nossas palavras devem sempre estar de acordo com o Caminho,devem sempre serem benéficas.
4. Ação Correta. Não-violentar; não roubar; não ter má conduta sexual; comer, beber e consumir apropriadamente.
5. Meio de Vida Correto. Encontrar uma forma de viver que não o obrigue a matar, fraudar, mentir, vender armas, drogas, bebidas ou escravos; não tirar a sorte.
6. Esforço Correto. É diligência, a perseverança no Caminho. Há quatro práticas ligadas ao esforço correto: não alimentar sementes não-sadias em nossa consciência; abandonar as sementes não-sadias já manifestas; alimentar as sementes sadias; manter as sementes sadias já manifestas. Esforço correto é abandonar a visão errônea e adotar a visão correta; abandonar o pensamento, a fala e a ação errônea e adotar o pensamento, a fala e a ação correta. Esforço correto, acima de tudo, é domar a sua mente.
7. Atenção Plena Correta. Atenção plena significa estar em pleno contato com o nosso corpo, sensações, emoções, pensamentos, formações mentais, e estados de consciência. É a prática de observar e cuidar de tudo o que aparece em nós, seja positivo ou negativo.
8. Concentração Correta. É a prática da meditação, zazen. É permanecer profundamente absorto aqui-e-agora, onde toda dualidade desaparece. A concentração correta é o resultado natural da prática dos outros itens do Caminho.Cada um dos aspectos do Caminho contém os outros sete.

Os itens 1 e 2 correspondem à Sabedoria; os itens 3, 4, 5 à Ética; e os itens 6, 7, 8 à Meditação.

Elementos Básicos do Buddhhismo
· Impermanência. Todas as coisas são impermanentes. Tudo muda o tempo todo sem parar. Nada é igual nem por um instante. Nada é estável. Um minuto atrás, nós éramos diferentes tanto física quanto mentalmente. O que nos faz sofrer não é a impermanência em si, mas o nosso desejo de que as coisas sejam permanentes enquanto elas não o são. Impermanência é movimento, é vida. As coisas só existem na sua forma e cor presentes.
· Não-eu. Nada que existe tem existência em si mesmo, separada e independente. Cada coisa precisa estar ligada com todo o universo para poder existir. Cada coisa é uma junção de elementos que não são ela mesma. Não existe nada que é separado do resto, que possa existir de forma independente e definitiva.
· Interdependência. Vazio. Nada pode existir por si só. Tudo é criado por várias condições, e todos os fenômenos estão inter-relacionados. É a Unicidade. Quem compreende profundamente esta verdade pratica a compaixão, pois vê que é um com tudo o que existe. Tal pessoa compreende um segredo da vida: que a felicidade só pode ser encontrada na compaixão e no altruísmo, e que seguir os nossos desejos egoístas só nos traz sofrimento e perturbação. A interdependência pode ser resumida no seguinte ensinamento do Buddha: “Vos ensinarei o Dharma: se isso existe, aquilo vem à existência; do surgir disso, surge aquilo; se isso não existe, aquilo não vem à existência; da cessação disto, aquilo cessa”. Todas as ondas (fenômenos) pertencem ao mesmo oceano (unidade, totalidade, verdade) da Vida.
· Karma. É a lei de causa e efeito. Construímos karma através das nossas ações de corpo, da fala e da mente. As ações virtuosas geram bons resultados e felicidade; as ações não-virtuosas geram más condições e sofrimento. A retribuição kármica se dá em três etapas do tempo: nessa mesma vida, na próxima vida, em vidas posteriores. Momento após momento nós geramos karma e criamos a nossa realidade.
· Samsara. Todos os seres estão sujeitos à roda do nascimento e da morte sucessivos. O Buddhismo acredita que as energias kármicas emanadas das nossas ações boas e más geram um novo corpo e uma nova mente de acordo com a natureza dos impulsos kármicos. Samsara em sânscrito significa “perambulação”.
· Nirvana. Nirvana é a Liberdade Incondicionada. É a liberação total do sofrimento, um estado de paz inabalável e de indescritível felicidade. É um estado além de todos os conceitos.
· As Três Práticas: Ética; Meditação; Sabedoria.
· Os Cinco Desejos Básicos: comida/bebida; sono; sexo; riquezas; fama.Os Três Tesouros: Buddha: O ser iluminado, ou o Absoluto; Dharma: os ensinamentos, o Caminho; Sangha: a comunidade de praticantes.
· Os Cinco Preceitos: 1. Não matar; 2. Não roubar; 3. Não mentir; 4. Não ter conduta sexual imprópria; 5. Não lidar com intoxicantes. Não seguir os preceitos não é "pecado"; é, simplesmente, ignorância. "Enquanto a má ação está verde, o perverso nela se satisfaz; mas, uma vez amadurecida, ela lhe traz frutos amargos." – Dhammapada, 119.
· As Duas Verdades: É a verdade absoluta e a relativa. Em termos relativos, é preciso praticar para extinguir o sofrimento; em termos absolutos, não há sofrimento, nem caminho, nem realização — a onda já é a água. Absoluto e relativo se encaixam perfeitamente, e as duas verdades se complementam. Devemos viver em contato tanto com o absoluto quanto com o relativo.

As Três Qualidades do Dharma
1. Impermanência: Todas as coisas são impermanentes. Tudo muda o tempo todo sem parar. Nada é igual nem por um instante. Nada existe que possa ser considerado um eu permanente. Um minuto atrás, você era diferente do que é agora, tanto física quanto mentalmente. O que nos faz sofrer não é a impermanência em si, mas o nosso desejo de que as coisas sejam permanentes enquanto elas não o são. Impermanência é movimento, é vida.
2. Não-eu, ou Vazio: Nada que existe tem existência em si mesmo, separada e independente. Cada coisa precisa estar ligada com todo o resto para poder existir. Cada coisa é uma junção de elementos que não são ela mesma. Nada possui uma essência estável e permanente, por isso as coisas só existem assim como elas são agora. As ondas (todas as existências particulares) são manifestações passageiras do mar (o Todo, o conjunto e a fonte de todas as condições).
3. Nirvana: Nirvana é o estado de absoluta liberdade e de completo silêncio do coração, além de todos os conceitos. Literalmente nirvana significa “extinção”: extinção das nossas ilusões, desejos, e outros estados mentais negativos. O nirvana já é a base da nossa existência, a natureza búdica sempre foi o nosso verdadeiro ser. O que precisamos é nos esforçar para compreender e manifestar a nossa natureza mais profunda.

As Três Portas da Liberação
1. Vazio (Sunyata):
O vazio é o Caminho do Meio entre a existência e a não-existência. Vazio significa que nada possui um eu. Quando as nossas ações emanam da consciência da natureza vazia da realidade, são ações iluminadas.
2. Ausência de Imagens (Animitta): Imagem é qualquer sinal que está na nossa consciência (sinal provindo de um dos seis sentidos). A realidade encontra-se além dos sinais. Tudo se manifesta através de imagens, mas as imagens nos enganam.
3. Ausência de Objetivo (Apranihita): Nada existe a ser feito ou realizado. A verdade mais profunda da existência é que nós já somos o todo, já somos a natureza de Buddha. Nesse sentido absoluto, nada nos falta. A ausência de objetivos é o que permite viver o momento, e ser felizes aqui e agora.

Os Quatro Pensamentos Incomensuráveis
1. Amor:
é o desejo de que os outros seres sejam felizes, e a ação nesse sentido. É um sentimento incondicional, que nasce da compreensão da unidade fundamental de todas as coisas.
2. Compaixão: é o desejo de que os outros não sofram e a ação para aliviar a dor alheia. Quando entramos em contato com o sofrimento do outro, a compaixão brota em nosso coração. Para isso precisamos de atenção plena.
3. Alegria: a alegria provém naturalmente de um coração que reconhece a preciosidade que é ter nascido como um ser humano e poder praticar o Dharma.
4. Equanimidade: é o desapego aos opostos, olhá-los de forma igual. Equanimidade significa imparcialidade, não discriminação, equilíbrio mental. É não discriminar “eu” e “outros”. É permanecer imóvel ao sofrer palavras e ações injustas, e ao ouvir elogios. É não permitir que surja a irritação, a amargura, o desânimo. É experimentar todas as sensações sem deixar surgir desejo ou aversão.

Os Cinco Agregados
1. Forma (rupa): é o nosso corpo físico.
2. Sensação (vedana): elas podem ser agradáveis, desagradáveis ou neutras. Toda/s as sensações são impermanentes e sem substância (como todos os outros quatro Agregados)
3. Percepções (samja): nossas percepções são sempre distorcidas por nossas aflições mentais já presentes: o medo, o desejo, a raiva.
4. Formações Mentais (samskara): existem 51 tipos de formações mentais, e duas delas são as sensações e as percepções. Esse Quarto Agregado é composto por todas as outras 49 formações mentais. Tudo que é feito de um outro elemento é uma “formação”.
5. Consciência (vijnana): é o alicerce sobre o qual erigimos nossas formações mentais.
Os Cinco Agregados não são sofrimento em si, mas produzem sofrimento ao nos apegarmos a eles.

As Seis Perfeições
1. Dana (Generosidade): é o doar, a caridade, a abertura do coração. É dar sem apego. Podemos dar coisas materiais, ensinamentos, ou a nossa presença, estabilidade e paz. Fazer algo com a consciência de seu valor absoluto também é dar.
2. Sila (Ética): é viver de acordo com os preceitos buddhistas.
3. Kshanti (Paciência): é a capacidade de tudo aceitar e de perdoar, sem rancor, as injustiças que nos foram cometidas. É alargar o nosso coração para que um punhado de sal não deixe nossa água salgada. É ser como a terra, que tudo acolhe sem reclamar ou discriminar. É absorver tudo o que nos acontece na vida. É semelhante à equanimidade.
4. Virya (Esforço): determinação, energia, perseverança. É não desanimar ou desistir. Não vacilar. Avançar sem recuar, decididamente. Nosso esforço deve ser correto, e não devemos nos apegar aos resultados.
5. Dhyana (Meditação): é a prática do zazen, a prática da atenção plena. É clarear e libertar a mente. É consumir-se por completo naquilo que se está fazendo, estando totalmente presente e consciente.
6. Prajna (Sabedoria): é a sabedoria da não-discriminação. É a capacidade de ver as coisas como elas são. Prajna Paramita é a mãe de todas as paramitas e a base de seu desenvolvimento. Prajna é a compreensão do vazio.As seis perfeições, ou paramitas são, em última análise, uma só.

As seis perfeições, ou paramitas são, em última análise, uma só.

Os Sete Fatores do Despertar
1. Atenção Plena
2. A investigação dos fenômenos
3. Esforço
4. Serenidade
5. Alegria
6. Concentração
7. Equanimidade

Buddha disse que, praticando a Atenção Plena, os Sete Fatores do Despertar se fazem presentes.

As Cinco Lembranças
1. Eu tenho a natureza daquilo que envelhece. Não há como escapar da velhice.
2. Eu tenho a natureza daquilo que adoece. Não há como escapar da doença.
3. Eu tenho a natureza daquilo que morre. Não há como escapar da morte.
4. Tudo que me é caro e todas as pessoas que amo tem a natureza daquilo que muda. Não há como não me separar deles.
5. Minhas ações de corpo, fala e mente são meus únicos pertences verdadeiros. Não há como escapar da conseqüência de minhas ações. Elas são o chão no qual eu piso.

Outros
· Os Três Mundos:
passado, presente, futuro.
· Os Três Reinos: o reino dos desejos, o reino da forma, o reino da não-forma.
· Os Três Tipos de Orgulho: achar-se superior aos outros; achar-se inferior aos outros; achar-se tão bom quanto qualquer um.
· Os Quatro Tipos de Apego: apego aos prazeres dos sentidos, apego às opiniões, apego às regras e ritos, apego à noção de um "eu".
· Os Cinco Poderes: fé, esforço, atenção, concentração, sabedoria.
· Os Seis Sentidos: visão, audição, olfato, paladar, tato e mente.
· Os Seis Grandes Elementos: terra, água, ar, fogo, espaço (akasha) e consciência.
· As Oito Consciências: As cinco primeiras consciências (os cinco sentidos); manovijnana (consciência mental); manas (intelecto, consciência discriminativa); alayavijnana (consciência armazenadora, mente inconsciente).
· Os Oito Aspectos da Iluminação: livre da ganância, capacidade de satisfazer-se; quietude; esforço diligente; memória correta; concentração; sabedoria; evitar discussões à toa.
· Os Doze Elos da Originação Interdependente: ignorância (avidya); ação intencional (samskara); consciência (vijnana); nome e forma (nama rupa); os seis sentidos; contato; sensação; desejo; apego, vir-a-ser; nascimento; velhice e morte.

Por: Giovanni Kakugen, retirado de: http://www.dharmanet.com.br/zen/resumo.htm

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Dharma-Buddha

Um monge perguntou ao mestre:
"Qual o significado de Dharma-Buddha?"
O mestre apontou e disse:
"O cipreste no jardim."
O monge ficou irritado, e disse:
"Não, não! Não use parábolas aludindo a coisas concretas! Quero uma explicação intelectual clara do termo!"
"Então eu não vou usar nada concreto, e serei intelectualmente claro," disse o mestre. O monge esperou um pouco, e vendo que o mestre não iria continuar fez a mesma pergunta:
"Então? Qual o significado de Dharma-Buddha?"
O mestre apontou e disse:
"O cipreste no jardim."

Talvez

Há um conto Taoísta sobre um velho fazendeiro que trabalhou em seu campo por muitos anos. Um dia seu cavalo fugiu. Ao saber da notícia, seus vizinhos vieram visitá-lo.
"Que má sorte!" eles disseram solidariamente.
"Talvez," o fazendeiro calmamente replicou. Na manhã seguinte o cavalo retornou, trazendo com ele três outros cavalos selvagens.
"Que maravilhoso!" os vizinhos exclamaram.
"Talvez," replicou o velho homem. No dia seguinte, seu filho tentou domar um dos cavalos, foi derrubado e quebrou a perna. Os vizinhos novamente vieram para oferecer sua simpatia pela má fortuna.
"Que pena," disseram.
"Talvez," respondeu o fazendeiro. No próximo dia, oficiais militares vieram à vila para convocar todos os jovens ao serviço obrigatório no exército, que iria entrar em guerra. Vendo que o filho do velho homem estava com a perna quebrada, eles o dispensaram. Os vizinhos congratularam o fazendeiro pela forma com que as coisas tinham se virado a seu favor.
O velho olhou-os, e com um leve sorriso disse suavemente:
"Talvez."

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Bem e mal

Trecho extraido do capítulo 6 do Shobogenzo Zuimonki de Dôgen Zenji.

"Ao fazerem o bem e o mal, todos os iluminados consideram os fatos tão profundamente, que pessoas comuns não podem sondar tais pensamentos.

"Quando vivia o Mestre Sufragan Esshin, este ordenou a seu assistente que enxotasse um veado que pastava ali no seu jardim. Então um dos presentes contestou: 'Porque és tão sem compaixão? Porque não deixaste o pobre animal pastar da tua grama?' O outro respondeu: 'Se eu não fizer com que o enxotem, o veado se acostumará à presença humana, ocasião em que alguém o poderá matar. Foi por isto que o enxotei.'

"De fato, enxotar um pobre veado pode parecer duro, mas foi feito por uma compaixão muito profunda por ele."

Caminho do Meio


Se cortarmos um tronco de árvore e o jogarmos num rio e ele não afundar ou apodrecer, nem ficar preso nas margens do rio, esse tronco irá com certeza chegar ao mar. A nossa prática é igual. Se você praticar de acordo com o caminho estabelecido pelo Buda, seguindo-o com rigor, você irá transcender duas coisas. Quais duas? Exatamente os dois extremos que o Buda disse não ser o caminho do verdadeiro meditador - entregar-se ao prazer e entregar-se à dor. Essas são as duas margens no rio. Uma das margens do rio é a raiva, a outra a cobiça. Ou você pode dizer que uma margem é a felicidade e a outra a infelicidade. O "tronco" é a mente. À medida que "fluir rio abaixo" ela irá experimentar a felicidade e a infelicidade. Se a mente não se apegar a essa felicidade ou infelicidade, chegará ao "oceano" de Nibbana. Você deve ver que não existe nada além de felicidade e infelicidade surgindo e desaparecendo. Se você não "ficar preso" nessas coisas, então você estará no caminho de um verdadeiro meditador.


Esse é o ensinamento do Buda. Felicidade, infelicidade, cobiça e raiva simplesmente existem na Natureza de acordo com a invariável lei da natureza. A pessoa sábia não os segue ou estimula, ela não se apega a eles. Essa é a mente que não se entrega ao prazer e não se entrega à dor. É a prática correta. E como aquele tronco de madeira irá finalmente chegar ao oceano, assim também a mente que não se apega a esses dois extremos irá inevitavelmente alcançar a paz.


terça-feira, 21 de outubro de 2008

Não há tempo a perder

Terceiro verso do poema: Desejos para libertar-se das situações difícieis e perigosas do estado intermediário, o herói livrando-se do medo. Escrito pelo primeiro Panchen Lama.

Que possamos compreender que não há tempo a perder,
Pois a morte é definida, mas a hora da morte é indefinida.
O que se reuniu se separará e o que se acumulou será
consumido sem resíduos,
No fim da subida vem a descida,
a finalidade do nascimento é a morte.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Virtude

O Buda recomendou três critérios ao fazermos julgamentos morais. O primeiro podemos chamar de princípio da universalidade – agir em relação aos outros do mesmo modo que gostaríamos que eles agissem conosco. O segundo podemos chamar de princípio conseqüencial – para determinar se um comportamento é benéfico ou prejudicial é necessário avaliar as conseqüências tanto no agente como no paciente, ou seja, um comportamento que cause algum tipo de dano quer seja no agente ou no paciente deve ser evitado. O terceiro podemos chamar de princípio instrumental – um comportamento é benéfico se ele nos conduz para mais perto do objetivo ou prejudicial, se nos afasta dele. O objetivo último no Budismo é nibbana, um estado de pureza e paz mental, e tudo que conduz a esse objetivo será benéfico.
Essa abordagem utilitária em relação à ética fica ainda mais clara ao observarmos que o Buda usava com muito mais freqüência os termos ‘benéfico ou hábil’ e o seu oposto ‘prejudicial ou inábil’ no lugar de bom ou mal. Outro elemento importante na avaliação do comportamento é a intenção. Se uma ação está fundamentada em boas intenções, por exemplo, na generosidade e na compaixão, então, ela será considerada hábil. Portanto, avaliar o comportamento no Budismo requer mais do que simplesmente obedecer a certas regras ou mandamentos, exige que tenhamos plena consciência dos nossos pensamentos, palavras e ações, bem como dos nossos objetivos e aspirações.
Michael Beisert - Budismo Theravada - Cânone em Pali

O Quebrador de Pedras

Era uma vez um simples quebrador de pedras que estava insatisfeito consigo mesmo e com sua posição na vida.
Um dia ele passou em frente a uma rica casa de um comerciante. Através do portal aberto, ele viu muitos objetos valiosos e luxuosos e importantes figuras que freqüentavam a mansão.
"Quão poderoso é este mercador!" pensou o quebrador de pedras. Ele ficou muito invejoso disso e desejou que ele pudesse ser como o comerciante.
Para sua grande surpresa ele repentinamente tornou-se o comerciante, usufruindo mais luxos e poder do que ele jamais tinha imaginado, embora fosse invejado e detestado por todos aqueles menos poderosos e ricos do que ele. Um dia um alto oficial do governo passou à sua frente na rua, carregado em uma liteira de seda, acompanhado por submissos atendentes e escoltado por soldados, que batiam gongos para afastar a plebe. Todos, não importa quão ricos, tinham que se curvar à sua passagem.
"Quão poderoso é este oficial!" ele pensou. "Gostaria de poder ser um alto oficial!"
Então ele tornou-se o alto oficial, carregado em sua liteira de seda para qualquer lugar que fosse, temido e odiado pelas pessoas à sua volta. Era um dia de verão quente, e o oficial sentiu-se muito desconfortável na suada liteira de seda. Ele olhou para o Sol. Este fulgia orgulhoso no céu, indiferente pela sua reles presença abaixo.
"Quão poderoso é o Sol!" ele pensou. "Gostaria de ser o Sol!"
Então ele tornou-se o Sol. Brilhando ferozmente, lançando seus raios para a terra sobre tudo e todos, crestando os campos, amaldiçoado pelos fazendeiros e trabalhadores. Mas um dia uma gigantesca nuvem negra ficou entre ele e a terra, e seu calor não mais pôde alcançar o chão e tudo sobre ele.
"Quão poderosa é a nuvem de tempestade!" ele pensou "Gostaria de ser uma nuvem!"
Então ele tornou-se a nuvem, inundando com chuva campos e vilas, causando temor a todos. Mas repentinamente ele percebeu que estava sendo empurrado para longe com uma força descomunal, e soube que era o vento que fazia isso.
"Quão poderoso é o Vento!" ele pensou. "Gostaria de ser o vento!"
Então ele tornou-se o vento de furacão, soprando as telhas dos telhados das casas, desenraizando árvores, temido e odiado por todas as criaturas na terra. Mas em determinado momento ele encontrou algo que ele não foi capaz de mover nem um milímetro, não importasse o quanto ele soprasse em sua volta, lançando-lhe rajadas de ar. Ele viu que o objeto era uma grande e alta rocha.
"Quão poderosa é a rocha!" ele pensou. "Gostaria de ser uma rocha!"
Então ele tornou-se a rocha. Mais poderoso do que qualquer outra coisa na terra, eterno, inamovível. Mas enquanto ele estava lá, orgulhoso pela sua força, ele ouviu o som de um martelo batendo em um cinzel sobre uma dura superfície, e sentiu a si mesmo sendo despedaçado.
"O que poderia ser mais poderoso do que uma rocha?!?" pensou surpreso. Ele olhou para baixo de si e viu a figura de um quebrador de pedras.

domingo, 19 de outubro de 2008

Você tem certeza?

Era um momento no qual eu estava completamente apaixonada pela prática e finalmente tinha começado as minhas prostrações. O Rinpoche estava acessível e simpático, eu me sentia muito agradecida e estava achando aquilo tudo o máximo.
Em uma conversa com ele, ao agradecer a oportunidade de estar ali, eu disse: “Rinpoche, quero agradecer por finalmente ter encontrado o meu caminho. Agora tenho certeza que, mesmo que eu morra, sempre irei reencontrar o Darma nas próximas vidas.”
E ele respondeu: “Que bom que você sabe disso, pois eu mesmo não tenho essa certeza.” E deu risada….
Foi uma paulada. Ali, pela primeira vez, eu percebi, como um soco, a imensidão do meu orgulho.
[Contada por Irínia Taborda]

sábado, 18 de outubro de 2008

As 37 Práticas de Todos os Bodhisattvas

De Gyalsé Thokmé Zangpo

O Mestre vê todas as coisas que estão para além do vai e vêm,
E mesmo assim luta incansavelmente para o bem dos seres vivos –
Meu precioso guru inseparável do Senhor Avalokita,
Com respeito eu vos presto homenagem perpétua, com o meu corpo, palavra e mente.

Os perfeitos budas, que são a fonte de todo o beneficio e alegria,
Aparecem como seres através da realização do Dharma sagrado.
E isso depende de saber como praticar o Dharma,
Eu vou descrever as práticas de todos os herdeiros legítimos dos budas.

1. A prática de todos os Bodhisattvas é estudar, refletir e meditar.
Incansável, tanto de dia como de noite, sem nunca cair na ociosidade,
para libertar a si e aos outros deste oceano do samsara,
Tendo ganho este supremo vaso corporal - uma vida humana favorável e livre, que é tão
difícil de encontrar.

2. A prática de todos os Bodhisattvas é deixar para trás a sua terra natal,
onde o apego à família e aos amigos nos subjuga como uma enxurrada,
enquanto a aversão aos nossos inimigos nos rói interiormente como um fogo escarlate,
e a escuridão ilusória nos eclipsa, ou seja, torna incompreensível a linha de conduta que
devemos seguir e o que deixar para trás.

3. A prática de todos os Bodhisattvas é ir regularmente a lugares solitários,
evitando o que não é saudável, para que as emoções destrutivas gradualmente desapareçam
e, na ausência de distrações, a prática virtuosa naturalmente se fortalece, avançando
rapidamente. Com a consciência atenta e focalizada, adquirimos convicção nos
ensinamentos.

4. A prática de todos os Bodhisattvas é renunciar a todas as preocupações da vida.
Durante muito tempo fizemos amizades e relacionamentos com familiares, e
agora todos nós temos que seguir caminhos separados;
Riquezas e bens tão penosamente adquiridos, devem ser deixados para trás;
E a consciência, a convidada que mora no nosso corpo, também um dia deve partir.

5. A prática de todos os Bodhisattvas é evitar amigos destrutivos,
na companhia dos quais os três venenos da mente ficam mais fortes.
E por causa deles cada vez estudamos, refletimos e meditamos menos,
e tanto o amor como a compaixão esmorecem, até se extinguirem.

6. A prática de todos os Bodhisattvas é estimar os amigos espirituais,[2]
pensando neles como ainda mais preciosos que o próprio corpo.
Pois são eles que nos ajudam a nos livrar de todos os defeitos,
e que fazem com que as nossas virtudes cresçam ainda mais,
tal como a lua crescente.

7. A prática de todos os Bodhisattvas é tomar refugio nas Três Jóias,
pois elas nunca deixam sem resposta os protegidos que a elas apelam.
Os deuses comuns do mundo não podem ajudar ninguém
enquanto eles próprios estiverem na armadilha
do ciclo vicioso do samsara, não é assim?

8. A prática de todos os Bodhisattvas é nunca cometer um ato prejudicial,
mesmo que isso ponha a sua própria vida em risco,
pois o próprio Sábio ensinou que as ações negativas
quando chega a hora nos levam às múltiplas misérias dos mundos inferiores,
tão difíceis de suportar.

9. A prática de todos os Bodhisattvas é lutar para atingir o seu objetivo,
que é o estado supremo imutável, a libertação eterna,
pois a felicidade dos três reinos dura um só momento,
e logo vai embora, tal como gotas de orvalho em colinas de ervas.

10. A prática de todos os Bodhisattvas é desenvolver o bodhicitta,
assim como proporcionar a liberdade a todos os infinitos seres sensíveis.
Como seria possível encontrar a verdadeira felicidade enquanto
as nossas mães que cuidaram de nós através dos tempo, carregam uma dor?

11. A prática de todos os Bodhisattvas é fazer uma troca genuína
da felicidade pessoal e bem estar por todos os sofrimentos dos outros.
Toda a miséria vem da procura da felicidade pessoal só para si,
enquanto o estado de buda perfeito nasce do desejo do bem dos outros.

12. Mesmo se outros, sob a influência de um grande desejo, roubarem,
ou encorajarem os outros a roubar todas as riquezas que tenho,
dedicar-lhes totalmente o meu corpo, bens e todos os meus méritos
do passado, presente, e futuro – esta é a prática de todos os Bodhisattvas.

13. Mesmo que os outros queiram cortar a minha cabeça,
embora eu nada tenha feito de mal,
tomar sobre mim, com compaixão,
todos os males que eles acumularam – esta é a prática de todos os Bodhisattvas.

14. Mesmo que os outros declarem a toda gente
montes de coisas desagradáveis sobre mim,
retribuir-lhes, falando somente bem deles,
com uma mente cheia de amor – esta é a prática de todos os Bodhisattvas.

15. Mesmo que os outros exponham os meus erros escondidos
ou digam horrores sobre mim, quando discursam em grandes conferências,
pensar neles como amigos espirituais e inclinar-se
ante eles com respeito – esta é a prática de todos os Bodhisattvas.

16. Mesmo que os outros, de quem cuidamos como se fossem filhos,
se voltem contra mim e me tratem como inimigo,
olhá-los com dedicação e afeto, tal como uma mãe olha o seu filho mal-humorado – esta é a
prática de todos os Bodhisattvas.

17. Mesmo se outros, iguais ou inferiores a mim em intelecto, nível espiritual ou riqueza
com arrogância, me desprezam, para os homenagear, tal como o faria ao meu mestre,
inclino a minha cabeça perante eles – esta é a prática de todos os Bodhisattvas.

18. Mesmo sendo desamparado e ignorado por todos,
fraco devido a uma terrível doença e importunado por espíritos malignos, ainda assim
tomar sobre mim todas as doenças de todos os seres e ações nefastas, sem nunca perder a
bondade do meu coração – esta é a prática de todos os Bodhisattvas.

19. Mesmo sendo famoso e reverenciado por todos,
e tão rico como Vaishravana, o deus da riqueza.
Ciente da futilidade de toda a glória e riquezas deste mundo,
não ser vaidoso – esta é a prática de todos os Bodhisattvas.

20. A prática de todos os Bodhisattvas é controlar a mente,
com as forças do amor generoso e da compaixão.
Pois, a não ser que o adversário real – a minha própria ira – seja derrotada,
Os inimigos exteriores, mesmo que os conquiste, voltarão a aparecer.

21. A prática de todos os Bodhisattvas é afastar-se imediatamente
das coisas que levam ao desejo e ao apego.
Pois os prazeres dos sentidos são tal e qual a água salgada:
Quanto mais os provamos, mais a nossa sede aumenta.

22. A prática de todos os Bodhisattvas é nunca alimentar conceitos,
que envolvam as noções dualistas de perceber e ser percebido,
sabendo que todas estas aparências são a própria mente,
cuja natureza intrínseca está para sempre
além das limitações das idéias.

23. A prática de todos os Bodhisattvas é não se agarrar a nada
E quando vê coisas que considera agradáveis ou desagradáveis,
Deve considerá-las como um arco-íris no céu de verão –
bonito na aparência, mas na verdade desprovido de qualquer substância.

24. A prática de todos os Bodhisattvas é reconhecer a ilusão,
sejam eles confrontados com a adversidade ou infortúnio.
E como esses sofrimentos são como a morte de uma criança num sonho,
é tão cansativo agarrar-se às percepções ilusórias tendo-as como reais.

25. A prática de todos os Bodhisattvas é ser generoso,
sem esperanças de recompensas cármicas ou expectativas de prêmios.
Pois se aqueles que buscam a iluminação até dão os seus próprios corpos,
será necessário mencionar simples objetos e bens exteriores?

26. A prática de todos os Bodhisattvas é respeitar uma ética restritiva,
sem a mínima intenção de continuar na existência samsárica.
Sem disciplina ninguém jamais terá certeza do próprio bem estar,
E assim qualquer pensamento de beneficiar os outros será absurdo.

27. A prática de todos os Bodhisattvas é cultivar a paciência,
livre de qualquer traço de animosidade contra alguém.
Qualquer fonte de mal é como um tesouro principesco
para o bodhisattva que deseja ardentemente usufruir da riqueza da virtude.

28. A prática de todos os Bodhisattvas é lutar com diligente entusiasmo –
a fonte de todas as qualidades – quando trabalham para o bem de todos os que vivem;
vendo que mesmo os shravakas e pratyekaBuddhas, que só se esforçam para eles próprios –
dedicam a ele todos os seus esforços, como se urgentemente tentassem extinguir fogos por
cima das suas cabeças.

29. A prática de todos os Bodhisattvas é cultivar a concentração,
que transcende superiormente as quatro absorções sem forma,
sabendo que as aflições mentais são ultrapassadas inteiramente
ao alcançar com esforço uma intuição interior, acompanhada por uma calma estável.

30. A prática de todos os Bodhisattvas é cultivar a sabedoria,
para além das três esferas conceituais, aliadas aos meios hábeis.
Não é possível atingir o nível perfeito do despertar só através
das outras cinco paramitas, sem a sabedoria.

31. A prática de todos os Bodhisattvas é examinar-se
continuamente e livrar-se dos defeitos, tão logo apareçam.
Pois a não ser que façamos a checagem cuidadosa da nossa própria confusão,
alguém que parece mostrar que pratica o Dharma na verdade opera contra ele.

32. A prática de todos os Bodhisattvas é nunca falar desfavoravelmente
dos que caminham no grande veículo,
pois se, sobre a influência das emoções destrutivas,
eu falar das quedas dos outros Bodhisattvas, o erro será meu.

33. A prática de todos os Bodhisattvas é abandonar o apego
aos patronos, à família e amigos,
pois o estudo, a reflexão e a meditação diminuem
quando discussões e competições por honras e recompensas aparecem.

34. A prática de todos os Bodhisattvas é evitar palavras duras,
que possam ser consideradas desagradáveis e detestáveis pelos outros,
porque a linguagem ordinária perturba a mente dos seres,
e arruina a conduta do bodhisattva.

35. A prática de todos os Bodhisattvas é eliminar o apego
e todas as outras aflições mentais, tão logo apareçam,
tomando como armas os remédios apoiados na atenção plena e na vigilância
pois uma vez que as kleshas se tornam familiares, são difíceis de evitar.

36. Resumindo, para qualquer coisa que façamos,
examinemos sempre a consciência da nossa mente,
sempre em estado de alerta e com atenção plena,
fazer o bem aos outros – esta é a prática de todos os Bodhisattvas.

37. A prática de todos os Bodhisattvas é dedicar-se a atingir o despertar.
Toda a virtude ganha ao esforçar-se nesse caminho,
com a sabedoria que purifica as três esferas conceptuais,
pode assim fazer desaparecer o sofrimento dos seres infinitos.

Aqui expus para aqueles que querem seguir o caminho do bodhisattva,
As 37 práticas que devem ser adaptadas pelos herdeiros legitimos dos budas,
Baseado nos ensinamentos dos sutras, tantras, e tratados,
E seguindo as instruções dos grandes mestres do passado.

Como a minha inteligência é pouca e pouco estudos fiz,
Este não é um texto que vá satisfazer os entendidos
Mas como confiei nos sutras e no que os santos ensinaram
Eu sinto que verdadeiramente estes são os treinos autênticos,
dos herdeiros legítimos dos budas

Mas, as ondas enormes da actividade dos bodhisattvas
São difíceis para a mente de uma pessoa simples como eu, de apreender,
E assim imploro a compreensão de todos os santos perfeitos
Por qualquer contradição, irrelevâncias ou outros falhas, nele contidas.

Através do mérito que ganhei, possam todos os seres,
Gerar o sublime bodhichitta, tanto relativo como absoluto,
E através disso, tornarem-se iguais ao Senhor Avalokiteshvara,
Transcendendo os extremos da existência e da imobilidade.

Este texto foi composto numa cave perto de Ngulchu Rinchen pelo monge Thokmé, um professor em escrituras sagradas e dialéctica, para o seu bem e dos outros.