terça-feira, 25 de novembro de 2008

A prisão do samsara

Quando os textos tradicionais falam de "prisão" do samsara, insistindo sobre o caráter frustrante e doloroso das experiências que aí se vivem, não é que os Mestres ignorem os momentos de felicidade que também aí se podem encontrar. Mesmo numa prisão, uma refeição melhor ou um passeio ao ar livre são instantes muito apreciados. No entanto, em comparação com a liberdade de olhar para o céu, cheirar o mar e contemplar o pôr do Sol à vontade, os pequenos prazeres de um prisioneiro são coisa pouca.

Como prisioneiros que, resignados com a sua condição, ficam contentes com um maço de cigarros, também nós lutamos por algumas migalhas de bem-estar Obtemo-las com muito esforço, quase sempre ~ custa do sofrimento alheio, e pagamo-las bem caro. Alguns prisioneiros de pena perpétua resignam-se ao encarceramento, outros preocupam-se em melhorar as condições de vida, outros ainda só pensam na liberdade e, para se evadirem, são capazes de escavar um túnel com uma colher de chá ou de nadar nos esgotos durante dias.

É porque perdemos a memória da liberdade natural da mente que não temos uma tal motivação para escaparmos do samsara, que temos a impressão que nascemos na prisão e pensamos que não há mais nada. Como pássaro nascido na gaiola não conhecemos o céu, ignoramos para que servem as asas, nunca sentimos o gosto do vento nem nos embriagamos de luz. Portanto a vastidão do espaço aterroriza-nos.

Estes ensinamentos, vindos de longe no tempo e no espaço, despertam-nos para a realidade da situação. Aquilo que pensávamos ser a natureza inerente à condição humana é finalmente uma condição diminuída, sub-humana, enclausurada. Os Mestres que veiculam estes ensinamentos são o exemplo vivo do que um verdadeiro ser humano é, do ser em que cada um de nós se pode tornar. Ser tocado por alguém que se tenha aproximado da liberdade natural da mente pode inspirar-nos, levar-nos a reconhecer a realidade da situação em que estamos e querer melhorá-la.

Quem esteja totalmente resignado talvez nunca chegue a ouvir estes ensinamentos e, se ouvir, ser-lhe-ão indiferentes. Mas quem procure melhorar a sua situação pode, graças a eles, obter renascimentos nos mundos superiores, em lugares e situações agradáveis onde estará rodeado por seres que o respeitam e lhe querem bem.

Por fim, se pertencemos à classe dos irredutíveis apaixonados pela liberdade, podemos utilizar estes ensinamentos para melhorar as nossas condições de vida e vogar rumo â libertação, à alforria definitiva do sofrimento, tornando-nos então nós próprios uma fonte de inspiração para os outros.

Tsering Paldrön. A Arte da Vida: Valores Humanos no Pensamento Buddhista.

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