sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Os doze elos da Roda da Vida

1 - A ignorância – Avídia

É o primeiro elo da corrente kármica, ( vidya – sabedoria, visão, lucidez; Avidia – perda de visão) representado na ilustração por um velho cego, andando e guiando-se com ajuda de uma bengala. Devido à ignorância de sua verdadeira natureza, o homem comum erra pela vida, criando uma falsa imagem de si e do mundo, bem como uma condição existencial confusa. Esta é a condição sob a qual vive a maioria da humanidade: uma condição de existência sem nenhuma luz.

Luminosidade – a luminosidade já é própria da mente operando, ou seja, nós criamos. Nossa natureza primordial cria, dá luminosidade, nós temos uma liberdade de criar, e por termos essa capacidade de criar, criamos também a parcialidade. Assim se manifesta avidia. Avidia manifesta então dois aspectos: 1- a capacidade de se manifestar e 2 – a capacidade de ocultar.
Avidia é uma operação mental, quando se percebe algo, se constrói algo, se dá brilho para algo, se perde outros aspectos. Esta capacidade de criar é chamada delusão. Ao identificar avidia, vamos acessar uma realidade mágica, não é um processo causal. Nós estamos penetrando na percepção de um aspecto muito profundo da realidade, que não importa se a experiência é aversiva ou prazerosa, não nos preocupamos com o teor do objeto, o que importa é que seja qual for a experiência do objeto que venhamos a ter, toda essa experiência é inseparável do objeto de delusão. A essência da experiência de separatividade está na dependência da operação mental de avidia. Essa é a liberdade, no entanto, acabamos por esquecer que quem construiu a percepção da coisa fomos nós, ocultando outras. Essa é a inseparatividade do sujeito-objeto (Gyatso Rinpoche). Nós não só fazemos aparecer uma coisa, como fazemos desaparecer outras. Quando temos uma visão, aquela visão nos aprisiona em um certo sentido, porque nos impede de olhar outras caracterísitcas, de reconhecer aquilo de uma outra forma. O aspecto mais importante de avidia não é o surgimento, mas a ocultação. O surgimento é como uma liberdade, mas a ocultação é a própria ess6encia da prisão. Avidia opera ocultando mas, quando ela opera ocultando, ela oculta que ocultou. Ficamos presos em uma resposta. Tanha é teimosia mental. Quando estamos focados num aspecto fica difícil ver o outro, não queremos passar para outro aspecto. Quando começamos a pensar de um jeito não queremos mexer naquilo.
O objetivo deste conhecimento não é só para um entendimento mas, para uma prática de constantemente observar avidia operando, a percepção de que sempre há o aspecto de escolha, de liberdade.

2 - Marcas (Samskara) – aspiração

As estruturas surgem. Estas estruturas são chamadas Samskara (Skara – cicatriz. Samskara – conjunto de cicatrizes – marcas por hábito.) As estruturas internas começam a surgir a partir de avidia, a partir da criação. Nós geramos as estruturas a partir da delusão. Samskara são as marcas com as quais se opera. Eventualmente, pode-se gerar consciência sobre essas marcas. Elas atuam com ou sem consciência.
Impulsionado pela ignorância, o homem acumula um tipo de energia que se manifesta em atividades que acompanham a direção do padrão situacional, caracterizado pelo primeiro estágio. Estas atividades podem manifestar-se através do corpo, da fala e da mente, formando a base do caráter individual e o padrão kármico pessoal. Isto é simbolizado pela imagem da roda do oleiro sempre a girar, criando novas formas. Assim como o oleiro dá forma ao pote, da mesma maneira nós formamos nosso caráter e o nosso karma, moldando nosso próprio destino. O resultado das ações impulsivas e voluntárias torna-se a causa de uma nova ação (atividade) e constitui o caráter da nova consciência, assim formada pelas ações repetidas. Toda ação deixa a marca, esta é a lei da ação e reação chamada karma. Toda ação repetida cria um hábito de repeti-la várias vezes. Através das ações físicas, verbais e mentais damos forma a nossa futura consciência individual.

3 - Consciência (Vijnana) - movimento

Estes três primeiros níveis estão presentes mesmo quando nós não dispomos de um corpo físico. São três níveis sutis que nos permitem sonhar, nos permitem ressurgir também. De acordo com as marcas com as quais estamos atuando, geramos a nossa aspiração e o nosso movimento. O movimento de vijnana descreve uma responsividade. Não há responsividade que não gere a própria identidade de um eu. Responsividade substitui a lucidez, oculta avidia, e avidia provoca responsividade. Todos os objetos nos oferecem um mensagem. Nós perdemos a liberdade, porque atribuímos um significado direto sem nem perceber o que fazemos. O fato de termos atribuído o significado se manifesta pelo impulso que nos surge, pela responsividade que nos surge. Nós temos o impulso de ação, começamos a nos movimentar. Mas a ação é o carma. O carma nos impulsiona para movimentar. É o nosso carma que escolhe significados, escolhe a nossa ação, ele nos impulsiona naturalmente de forma que nos cega. Ele oferece certezas.
Quando estamos lúcidos, a delusão já não é mais vista como um processo de engano. Quando a delusão se oferece, ela já é a própria luminosidade da mente atuando. Quando o movimento é feito, não há perda da visão ampla.

4 - Corpo-Mente (Nama-rupa) – buscando a materialidade

A consciência, pulando de objetos dos sentidos para objetos da imaginação, pode facilmente polarizar-se em formas materiais (corpo) ou em funções mentais (mente). Como termo coletivo, corpo-mente indica o íntimo funcionamento das funções físicas e mentais como um todo inseparável e a consciência é a base dessa combinação, a precondição do organismo psicológico, no qual a íntima relação entre as funções físicas e mentais é simbolizada por duas pessoas dentro de um barco. Os aspectos sutis flutuam, mas se colocarmos objetos que nos evocam esses aspectos sutis passamos a tornar aqueles aspectos sutis mais permanentes. Os aspectos mentais abstratos se beneficiam de uma materialidade. Começamos então, a procurar a materialidade com a intenção de sustentar os estados mentais sutis. Quando entramos no quarto elo, nós, inconscientemente, descobrimos que certas coisas são agradáveis e outras não. Nós percebemos claramente que os objetos, a materialidade, têm o poder de sustentar estados mentais específicos. De um modo geral, nós estamos inconscientes disso. Neste ponto, de nama-rupa, nós ainda não temos o bjeto. Começamos a desejar o objeto, por isso que simbolizado por um barqueiro. Nós temos aquela aspiração mas ainda não encontramos o objeto correspondente que possa sustentar aquela aspiração. É como o barqueiro navagando no rio buscando encontrar um lugar – o barqueiro ainda o está procurando. Mas esta procura tem um filtro, que é determinado pelas marcas mentais, este filtro é definido pelos três elos anteriores, avidia, samskara e vijnana. Tudo o que conectamos a nível de nama-rupa parece conosco mesmos. Nós nos identificamos com certos objetos, porque eles sustentam componentes que acreditamos ser nós mesmos.

5 - Os seis sentidos (Shadayatana)

O íntimo funcionamento do organismo psicológico (nome-forma) é distinguido mais adiante pela formação e ação dos seis sentidos: vista, audição, olfato, paladar, tato e o sexto sentido, possibilitando experiência não ligada aos cinco primeiros. O sexto sentido é mental e refere-se, sobretudo a capacidade de pensar, memorizar, imaginar, visualizar etc. Estas faculdades são como janelas de uma casa, através das quais podemos contatar o mundo exterior. Por essa razão, são simbolizadas por uma casa com seis janelas. Representa nossa materialidade física. Quando estamos operando avidia, vemos que se trata de um processo de construção de escolhas. O aspecto de delusão necessita que tenhamos uma conexão com a matéria. O sentido que vamo9s atribuir está ligado às nossas aspirações. Não existe um Shadayatana sem uma estrutura anterior. As teorias, os postulados, as visões, todas elas estão manifestadas no equipamento.

6 - Contato (Spasha)

Este elo representa o contato dos sentidos com seus objetos exteriores: a vista, o contato com as cores e as formas; a audição com os sons; o olfato com os odores; o paladar com os gostos; o tato com as texturas; e a mente com as imagens, idéias, pensamentos, lembranças etc.. Esse contato causa impressões correspondentes ao modo particular de sentir que foi ativado. O contato é simbolizado por um casal abraçando-se, ou por um bebê no seio de sua mãe. É quando nós usamos aquela materialidade, como se fosse a nossa expressão, é o corpo que está operando no seu universo. A delusão está operando firme.

7 - Sensação (Vedana) – agradável – desagradável –indiferente.

A sensação é o resultado do contato dos sentidos com seus objetos exteriores, que pode ser agradável, desagradável ou neutra. É simbolizada por um homem tendo a vista furada por uma flecha, experimentando uma sensação muito intensa. Neste momento, a pessoa ficou cega pela segunda vez. Primeiro, por causa de avidia e agora por vedana, ela própria enfia a flecha no olho. Todas as etapas anteriores eram inconscientes. A partir desse momento, ela se torna consciente. Tudo o que ela poderá ver será o gostar ou não gostar. Ela simplifica todo o processo anterior pelo gostar ou não gostar. As pessoas tem muitas certezas, se movem dizendo: “eu gosto disso, não gosto daquilo, quero isso, não quero aquilo”. Aquilo dá um sentido de propósito, uma sensação de vida, de identidade, de movimento.

8 - Desejo (Trishna) propósito - potencializar

O desejo segue compulsiva e automaticamente a sensação experimentada. Se a sensação for desagradável, o desejo será de aniquilar ou destruir, o quê pode gerar um comportamento psicopático; se a sensação for agradável ou neutra, o desejo será perpetuar esse estado temporário de equilíbrio e paz. O desejo é simbolizado por um homem a quem uma mulher suaviza a sede. Pode-se dizer que Trishna é a aspiração da expansão daquilo que se provou. Podemos também incluir a ação, por exemplo de plantar uma arvore para se ter o fruto desejado.

9 - Apego (Upadana)

A tendência do desejo é transformar-se em apego ao objeto desejado, quando se consegue obtê-lo. O apego é simbolizado por um homem colhendo frutos de uma arvore e juntando-os avidamente num cesto. Porque planejamos, plantamos, vamos colher com certeza. Por que plantamos a árvore? Porque um dia provamos o fruto e gostamos, agora queremos mais, então, planejamos um pomar. Aquilo está produzindo e nós, muito felizes, estamos colhendo o resultado.

10 - Existência (Bava)

O apego engendra a continuidade existencial de tendências (cármicas) as quais darão frutos no futuro. Bava, é ao mesmo tempo identidade e mundo. Os dois são inseparáveis.Nós selamos todas as experiências anteriores, o “gosto e o não-gosto”, está tudo selado. Agora, tudo brotou na forma de visão de mundo, visão de identidade. Surgimos com uma identidade em um mundo. O “gosto, não gosto”, já quase que desaparece porque nós, simplesmente, automatizamos o processo, nós “sabemos como as coisas são, como elas funcionam”.

11 - Nascimento (Jeti)

A formação de tendências leva ao nascimento numa nova existência. Isso se refere à frutificação das tendências. É a primeira aparição de um novo padrão existencial (num dos seis estados psicológicos ou seis reinos). O nascimento numa situação existencial é simbolizado por uma mulher dando a luz a um bebê. Jeti significa “circunstâncias da vida”, isto é tudo que nasce, cresce, envelhece, vem a decrepitude e a morte. O ponto importante das circunstâncias da vida é o fato de que estamos sempre ocupados, tentando equilibrar alguma coisa.

12 - Velhice e morte (Jana-marana)

Tudo o quê nasce está sujeito à morte. Morte significa dissolução de bava, ou seja, a identidade e o mundo correspondente. Uma vez que uma nova situação existencial nasce, é inevitável que as condições que deram nascimento mudarão. Isso aponta ao fato da inevitabilidade da velhice e da morte. A velhice (decomposição) afeta todas as estruturas; quando ocorre a cessação da continuidade existencial, falamos de morte. A morte é simbolizada por um homem carregando um cadáver (enrolado num lençol amarrado às costas, de acordo com a tradição tibetana) ao cemitério. Quando nos aproximamos da morte, sabemos muito bem o que não queremos que aconteça novamente. Nós temos raiva, dores, rancores, aversões. Dizemos : “Tudo isso aconteceu por causa de...”, poderíamos fazer uma lista. Ao mesmo tempo, dizemos: “eu perdi as seguintes coisas maravilhosas, eu não gostaria de ter me privado de”. Nesse momento surge na nossa mente todos os seres queridos, todas as situações favoráveis que naquele momento não temos mais. No momento da morte, nós temos duas aspirações: Uma de nunca reencontrar as condições negativas que tivemos que passar. A outra é de nos fixarmos de maneira realmente lúcida, nítida, decidida com os aspectos positivos. Assim, com essas duas aspirações, saltamos diretamente para nama-rupa, porque estas duas aspirações representam a estrutura de avidia, samskara e vijnana, que se preservam. Nos desejamos apenas estabilizar as estruturas que nos garantem a felicidade e o afastamento do sofrimento.

Um comentário:

Unknown disse...

Um texto excelente para alcançarmos o entendimento de certos conceitos Budistas. Primeira vez que leio sobre avidya de forma clara e concisa. Eu já havia experimentado em mim mesmo ou em pessoas com as quais eu convivi a presença de avidya. Nós, fenomenalmente, temos a capacidade de criar mentalmente a forma representativa da realidade, temos também a capacidade de criar uma pseudo verdade para encobrir a verdade verdadeira, tempos a capacidade criativa de fazer com que os outros passem ao largo da verdade omitindo a verdade ao calar-nos. Em fim, fomos dotados da capacidade enganarmos tanto aos outros quanto a nós próprios na busca de atender um desejo ou um propósito.